quarta-feira, 30 de novembro de 2011

sou poeta

sou poeta, sim
mas vivo de miséria
de migalhos
não tenho dinheiro para comer
quem me dera agasalhos

sou poeta, sim
pobre no bolso
e rico na alma
é uma pena que neste mundo
essa riqueza de pouco valha

sou poeta, sim
antes que digam o contrário
e você aí
tem um trocado
para dar a este velho coitado?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

clímax

foges do coito
– o rosto fulvo de horror –
à espera do látego

a inocência
– trancafiada por aldravas –
mascara-se no retangular de relva

ressona o sonho lúgubre
sob a pedra tumular
jazia o sacrílego

terça-feira, 27 de setembro de 2011

bênção

se fui
não foi por mal
foi pelo bem
são
e tchau

÷

a vida que a gente tem
é pouca
pra vida
que a gente quer

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Um dia de Chinaski

as mulheres
não sabem o que querem
mas sabem
o que os caras querem

bons rabos
um charro
caro
carro
putas

banquetes colossais
que abasteçam
o ego
e se pagarem
a cerveja
não nego
mesmo no escuro
da loucura
e que martele
a ressaca
com pregos
morais

que o perfume
de putas
tire o bafo
de cachaça
e da minha
boca
não saia apenas
traças

domingo, 15 de maio de 2011

É frio aqui dentro
e lá fora também
Da janela vejo o centro
com tanto desdém
As pessoas na rua
colhem vintém
Mas o frio é de pobre
e de rico também

quinta-feira, 28 de abril de 2011

conto

Na televisão, um jogo velho de Domingo. O vento adentra por uma fresta na janela de madeira polida, espantando as moscas que rodeiam as sobras do almoço.
Lá fora está a pequena Sophia brindando seu décimo terceiro aniversário. Sozinha, admira a vastidão de uma enorme flamboyan.
O laço vermelho, que cobre parcialmente seus cabelos, enfatiza as pequenas sardas que cobrem o seu rosto juvenil.
Olha tentando avistar o topo da árvore. Será que um dia vou conseguir subir lá em cima? Pensa, com os olhos já entretidos nas minhocas expostas ao sol. Se eu salvar essas minhocas, será que vou para o céu?
Suas mãos, até então limpas, amparam as minhocas de volta à úmida e cheirosa terra. Nunca soubera o cheiro que a terra tinha, mas gostava muito. Era como um perfume natural. Algo que não poderia ser vendido e nem encontrado. Somente ali na terra.
As moscas, não satisfeitas, vasculham as redondezas da casa. Observam – apesar da pouca claridade – um casal.
- O que você pensa que está fazendo?
- Vou embora.
- Como assim, embora?
- Vou embora. Em-bo-ra.
Com um violento tapa no ar, o homem espanta as moscas que o rodeiam.
- Covarde, é isso que você é. Um covarde.
- Me chame do que quiser.
- Como tem a coragem de abandonar sua filha?
- Vejamos bem, de covarde fui para corajoso. De corajoso vou ir para o quê? Herói?
Suas gargalhadas são extremamente altas, impondo um ar de superioridade no quarto.
- Você é um monstro...
- Sim, todos somos. A humanidade é um monstro.
- Você é o pior de todos.
- Devo ser. Sou tão ruim que fui logo gerar uma filha autista. Olha para aquela menina. Conversando com minhocas. Patético.
A mulher, com o rosto lavado de lágrimas, levanta sua pequena mão e atinge o rosto do homem com uma fúria que apenas uma mãe poderia partilhar.
Agora, amedrontado, o homem volta os olhares para o chão. Pára alguns instantes e logo volta para o armário em busca de suas roupas.
Em desespero, a mulher se ajoelha.
- Por favor, não vá. Não vá, não vá...
Insignificante aos olhos do homem que, além de furioso pelo tapa recebido, vergonhosamente humilhado em sua própria casa. Pega sua última peça de roupa e tenta enfiar na mochila abarrotada.
Com a ajuda do armário, a mulher levanta-se e caminha em direção à cozinha.
Sobre a cama, o marido tenta fechar o zipper da mochila.
A tevê urra algum gol do Brasil. Sophia escuta mas mesmo assim continua brincando lá fora. Agora admira as próprias mãos, pensa em ser atriz, desenhista, alguma coisa que envolva a arte. Mas mamãe diz que os artistas não vão para o céu. Então decide ser professora. Ou melhor, diretora da escola.
Sophia ouve gritos, mas imagina que seja comemoração. Não ligava pra futebol, nem sabia quem estava jogando. Não gostava muito de ver tevê. De repente algumas moscas pousam-lhe no braço. Tenta afasta-las. Não saem. Não posso matar, pensa. Não quero ir para o inferno.
Entra em casa aos berros. Dizendo que havia feito amigas moscas. Grita pelo papai, grita pela mamãe. Não vê ninguém. Senta-se no sofá e observa um velho jogo de Domingo com suas novas amigas.